Recursos aos Tribunais Superiores

O Juiz, ao exercer seu papel de aplicador da lei, cria o direito (uma fonte do direito – a jurisprudência), e não apenas o reproduz (como outrora entendeu-se ser o seu papel). A função do Juiz vai além, “inventando” o direito, dentro de parâmetros pré-definidos, obviamente, e não a seu bel prazer.

Ao cumprir com essa função, o magistrado o faz pautado na interpretação da lei, aplicação de princípios, verificação da jurisprudência já existente e da doutrina. Desta forma, ele transforma o texto da lei (ou enunciado normativo) em norma, sendo este o conceito primário de interpretação jurídica.

Em razão dessa suposta flexibilidade dos julgadores, a função dos Tribunais Superiores (STF, STJ, TST, TSE e STM) seria de, justamente, unificar e estabilizar a jurisprudência a fim de orientar todo o poder judiciário de qual seria a forma mais correta de aplicação do enunciado normativo.

Ocorre que, por diversos motivos, entre eles o principal que é o excesso de trabalho, os Ministros dos Tribunais Superiores não tem conseguido atingir seu maior objetivo, que é o de unificar a jurisprudência. Por vaidade, desorganização e carga de trabalho, há, especialmente no STJ, divergência de entendimentos dentro dos Tribunais, Câmaras e até gabinetes.

Com o objetivo de reduzir a carga de trabalho, foi incluído no exame de admissibilidade do Recurso Extraordinário a necessidade de repercussão geral da matéria, o que fez com que houvesse uma redução de mais 60% do número de processos que chegavam ao STF. Mais uma vez, em razão da chamada “jurisprudência defensiva” (ou seja, a tentativa de se reduzir ao máximo o número de processos que chegam aos Tribunais Superiores), a aplicação deste dispositivo não vem sendo corretamente utilizada pelos Ministros, que entendem a repercussão geral não como sendo a relevância do caso, mas sim no sentido da sua abrangência numérica (o que não foi a intenção do legislador).

Com o objetivo de tentar frear essa jurisprudência defensiva, o (já não tão) novo CPC (apesar de já ser uma questão principiológica), fez questão de determinar em sua redação que é função dos Tribunais Superiores orientar e criar jurisprudência uniforme e estável, respeitando a segurança jurídica. O que não deveria impedir a mudança de entendimento de determinada matéria, mas apenas que ela seja feita somente quando necessária, e citando a anterior, com a explicação do porquê da alteração de entendimento do Tribunal.

Quanto ao outro requisito de admissibilidade de recursos para os Tribunais Superiores, tem-se a necessidade do recurso tratar exclusivamente de matéria de direito (e não de fato). Ou seja, que o recurso tenha como objeto a aplicação da norma (e não a revisão de fatos e provas). Existem casos que são claras essas divisões de matérias de direito e de fato, porém, em outros, as matérias podem se confundir, ou serem muito próximas umas das outras.

Para auxiliar nessa verificação, em uma visão prática (mas um pouco simplista), sugere-se fazer uma pergunta: onde está o problema (ou, qual é a discussão)? Se a resposta for “aconteceu tal ou tal coisa”, seria matéria de fato, se a resposta for “qual lei/artigo deve ser aplicado em tal caso”, seria matéria de direito.

Ainda, quando é necessário para aplicação correta da norma em uma situação concreta, o exame de certos fatos, e o acórdão a ser recorrido não trata especificamente desta situação, os embargos de prequestionamento podem servir como ferramenta para sanar este problema. Nestes casos, os Tribunais Superiores poderão fazer a aplicação do direito sob a correta perspectiva, mesmo se tratando de uma matéria fática.

Ou seja, esta modalidade de embargos não serve apenas para citar ou mencionar os artigos de lei supostamente infringidos e que não foram tratados no acórdão. Se o recurso for conhecido, as matérias alegadas em embargos farão parte integrante do acórdão, podendo os Tribunais Superiores se valerem deles para proferir sua decisão.

Cabe destacar que o CPC determina que os tribunais são obrigados a decidir de modo denso e fundamentado, apresentando todos os motivos que os levaram a decidir de tal maneira, e incluir os motivos que não os levaram a decidir de outro modo. Contudo, muito vezes, na prática, não é o que se observa. O que se verifica, em grande parte dos casos, são decisões padrões (“copia e cola”), e que podem ser aplicadas em qualquer caso, deixando a preocupação com a justiça e a correta aplicação do direito de lado.

Por fim, quanto aos Embargos de Divergência, que teriam a função de uniformizar a jurisprudência interna dos Tribunais, mas que, em razão dos Ministros verem esse recurso com maus olhos, muitas vezes nem são conhecidos (em mais um exemplo de jurisprudência defensiva), fazem com que a jurisprudência continue divergente e até contraditória entre si. Mesmo com o advento do novo CPC e as mudanças prometidas/esperadas por ele, a admissibilidade desse recurso continua muito baixa, e em diversos casos o papel essencial desses Tribunais extraordinários não é alcançado.

Paula Feliz Thoms

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