Negócios Processuais no Novo CPC
Desde 18 de março de 2016 está em vigor a nova redação do Código de Processo Civil (“CPC”), que dentre diversas alterações, traz a previsão dos chamados “negócios processuais”. Este instituto prevê que as empresas, ou até mesmo pessoas físicas, poderão estabelecer em contrato particular, prevendo a forma na qual um eventual litígio entre elas poderá ser conduzido pelo judiciário.
A ideia é que as partes envolvidas possam ajustar um eventual processo às peculiaridades do negócio, o que lembra, na prática, o que já ocorre nos conflitos levados à arbitragem.
O novo dispositivo permite que as partes disponham sobre a produção de provas (por exemplo, exigindo uma determinada perícia, proibindo uma prova testemunhal, delimitando a provas documentais, determinando quem produz qual prova, entre outros). Este instituto também pode ser utilizado para tratar sobre a impenhorabilidade de determinados bens, possibilidade de penhora continua em contas bancárias, parcelamento de condenações, irrecorribilidade de sentenças de primeira instância, citação por e-mail, proibição de ajuizamento de determinadas ações, alteração de prazos processuais, e assim por diante.
A possibilidade prevista no artigo 190 do Código de Processo Civil pode ser aplicada a qualquer tipo de contrato e tratar sobre quase todos os temas relacionados ao direito processual. Tais previsões podem ser feitas tanto a título extrajudicial (como em contratos – antes de um litígio, em um acordo ou convenção coletiva de trabalho, em um pacto antinupcial, etc.), quanto depois de já ajuizada uma ação (desde que em consenso entre as partes).
Tal previsão INDEPENDE de homologação judicial, pois é um negócio realizado ENTRE AS PARTES (desde que capazes). Porém, caso o juiz, de ofício, ou a requerimento da parte contrária, verifique uma abusividade ou ilegalidade da previsão (como, por exemplo, em contratos de adesão, na qual contenha cláusula que torne uma excessivamente onerosa ao consumidor), a cláusula em questão poderá ser anulada.
Importa destacar que, diferente do antigo Código de Processo Civil, que previa procedimentos diferentes para determinados casos (ex: procedimento comum, sumário ou sumaríssimo), o novo Código de Processo Civil prevê um procedimento único, mas com essas possibilidades de ajustes, dependendo da particularidade do caso.
A regra geral continua sendo o rito comum único, mas mediante previsão das partes, e uma justificativa plausível, quase todo tema processual poderá ser adaptado à vontade delas.
Mesmo que objeto de muita controvérsia e discussão perante juristas, o entendimento majoritário é que, desta decisão de anulação de um negócio processual, caberia o recurso de agravo de instrumento. Tal tema é controverso pois o novo Código de Processo Civil prevê expressamente quais as possibilidades de cabimento de agravo, sendo que muitos defendem ser um rol taxativo (e essa não seria uma das possibilidades de cabimento deste recurso).
Ocorre que, caso tal entendimento fosse aplicado, as únicas medidas cabíveis seriam: i) apelação – após ser proferida a sentença (que não faria mais sentido, dependendo do negócio entabulado) ou; ii) mandado de segurança (que também já foi há muito rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal como medida para combater decisões interlocutórias).
Desta forma, a interpretação mais lógica a ser feita, é o cabimento do Agravo de Instrumento, considerando o rol do artigo 1.015 do CPC meramente exemplificativo.
Outra questão importante a se mencionar é que existem enunciados (por exemplo, 253 e 256 sobre o novo Código de Processo Civil) que autorizam o Ministério Público ser parte entabuladora de negócios processuais (inclusive sobre assuntos que envolvam tributos ou questões públicas).
A alteração deve exigir uma mudança na mentalidade dos envolvidos, cabendo aos advogados e aos departamentos jurídicos das empresas informarem seus clientes que, a partir de agora, podem realizar tais convenções.
Essa medida pode trazer uma flexibilização voluntária dos procedimentos, desde que as partes sejam plenamente capazes (e, de preferência assistidas por advogados), na busca de uma maior eficiência. Recomenda-se, neste sentido, que os próprios advogados firmem os contratos com negócios processuais juntamente com as partes, para futuramente garantir uma plena aplicabilidade do que foi ali disposto (evitando-se nulidades e procrastinações).
Apesar da liberdade para estabelecer condições de condução de um processo, um acordo não poderá afetar os poderes e deveres do próprio juiz, já que as partes podem sugerir alterações nos procedimentos, mas jamais podem criar procedimentos novos, como por exemplo: prova ilícitas.
O novo Código de Processo Civil ainda permite no artigo 191 (e também no artigo 357, §2º) que possa ser estabelecido mediante acordo em âmbito judicial (portanto, já depois de existente uma ação), entre o juiz e as partes (neste caso, exige homologação judicial) um calendário próprio para a tramitação do processo. Neste caso, ficaria dispensada a intimação das partes sobre a prática de atos processuais ou a realização de audiências, sendo que ele somente poderá ser alterado mediante justificativa razoável.
Caso as partes e o juiz não entendam ser o caso de alteração, o processo seguirá os prazos e procedimentos previstos no Código.
Conclui-se que as referidas alterações podem trazer mudanças muito benéficas às partes e ao judiciário, fornecendo uma maior celeridade e eficiência do processo. Mas, de outro lado, exige uma preparação e atenção muito maior do advogado, juiz e do próprio Juízo, que devem estar habilitados para utilizar da melhor forma essa nova ferramenta concedida pelo legislador.
Doutora Paula Feliz Thoms
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